Por redação
Entre os dias 16 de dezembro de 2023 e 15 de janeiro de 2024, cinco pessoas morreram devido a colisões veiculares com antas em rodovias do estado do Mato Grosso do Sul – uma na MS-040 e quatro na BR-262. O levantamento é da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), projeto do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e tem como base notícias publicadas na imprensa local.
Segundo o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), o estado registrou mais de dez mil colisões veiculares com fauna silvestre entre os anos de 2017 e 2020. Dentre os animais atropelados durante esse monitoramento, 40% foram animais de grande e médio porte, tais como a anta, que podem causar danos significativos e até fatais.
Os acidentes, infelizmente, não são novidade na região. A INCAB-IPÊ vem alertando o poder público e instituições envolvidas na segurança das rodovias, tanto que pediu tomada de medidas em relatório técnico publicado, em 2019, sobre as rodovias consideradas críticas em termos de risco de colisões veiculares com antas e, dentre elas, estão a MS-040 e a BR-262.
Garantir que as rodovias sejam seguras tanto para os usuários quanto para a fauna é dever do Estado, especificamente da Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (AGESUL) e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) - órgãos responsáveis pela gestão de rodovias estaduais e federais, respectivamente; além do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA), que possuem a responsabilidade de garantir que os gestores das rodovias implementem medidas efetivas de mitigação.
A INCAB-IPÊ publicou um Relatório Técnico quantificando as colisões veiculares com antas em rodovias estaduais e federais no Mato Grosso do Sul, após amostragem realizada durante sete anos (março de 2013 a março de 2020), e detectou 700 carcaças, ou seja, em média, 100 antas são atropeladas por ano no estado.
“A colisão com antas em rodovias é uma problemática multifatorial. Primeiramente, o problema está diretamente relacionado com a segurança dos usuários dessas rodovias estaduais e federais. É um animal de grande porte, estamos falando entre 200 e 300kg, de forma que a colisão entre um veículo e uma anta é um grande acidente com consequências muito sérias. Temos também a questão das perdas econômicas – o veículo em uma colisão com anta fica bastante destruído. Por fim, há a perda direta de um animal tão importante – a anta está ameaçada de extinção e é responsável pela manutenção da biodiversidade, através da dispersão de sementes”, explica a coordenadora da INCAB-IPÊ, Patrícia Medici.
O Mato Grosso do Sul possui cerca oito mil quilômetros de rodovias. No estudo realizado pela INCAB-IPÊ, foram monitorados trechos de 34 rodovias estaduais e federais, correspondendo à aproximadamente 6.000 quilômetros de vias amostradas. A análise dos dados coletados demonstrou que alguns trechos possuem maior concentração de eventos de colisões com antas. Esses trechos são chamados de hotspots. A BR-267, BR-262 e MS-040 apresentaram maior número de antas atropeladas em relação às outras rodovias amostradas, compondo aproximadamente 80% de todos os registros.
A BR-262 é tida como a estrada da morte. O monitoramento do ICAS, realizado entre 2017 e 2020, registrou 6.650 animais mortos na rodovia, uma média de 180 por mês. Entre os indivíduos atropelados, 316 eram de espécies ameaçadas de extinção, como a anta, tamanduá-bandeira, cervo-do-Pantanal e lobo-guará. Já a MS-040 é conhecida como a rodovia das antas. Durante os sete anos de monitoramento da INCAB-IPÊ, cerca de 40% dos atropelamentos registrados foram nessa rodovia.
As colisões veiculares em rodovias são uma das ameaças mais sérias à sobrevivência da anta brasileira – espécie listada como vulnerável à extinção na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. A anta apresenta um ciclo reprodutivo bastante lento e o impacto das ameaças pode levar a declínios populacionais ou até mesmo extinções locais.
Casos recentes - No dia 15 de dezembro de 2023, uma picape colidiu com uma anta na rodovia MS-040. O motorista veio a óbito. Essa foi a oitava morte envolvendo colisões com anta nessa rodovia desde a sua inauguração em novembro de 2015. O segundo passageiro do veículo ficou ferido.
Seis dias depois, em 21 de dezembro de 2023, uma família inteira faleceu em uma colisão com anta na BR-262. Um casal e uma criança de oito anos estavam em um Pálio e o motorista perdeu o controle da direção após colidir com uma anta.
Na virada do ano, em 31 de dezembro de 2023, o motorista de um caminhão tentou desviar de uma anta e perdeu o controle do veículo, na BR-262. O motorista não sofreu ferimentos, mas sua esposa, que estava no veículo, veio a óbito e sua filha de três anos ficou ferida.
No dia 8 de janeiro de 2024, um motorista tentou desviar de uma anta na MS-040, e capotou o carro. O motorista e passageiro ficaram feridos. No mesmo dia, em estrada rural na região de Coxim, um motorista bateu em um poste e capotou o carro ao tentar desviar de uma anta. A vítima sofreu ferimentos leves.
Ações para mitigação - A proteção à fauna brasileira está prevista em lei. No âmbito internacional, o Brasil é signatário de três Convenções que deveriam garantir a proteção de espécies ameaçadas de extinção: Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos Países da América; Convenção de Washington sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), e Convenção sobre Diversidade Biológica. Já no âmbito nacional, existe a Lei de Proteção da Fauna (nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967), além do Capítulo VI, Art. 225, parágrafo 1º, inciso VII da Constituição Federal, que determina como responsabilidade do Poder Público a proteção da fauna e flora.
Algumas das medidas de mitigação que podem ser tomadas para a problemática das colisões veiculares em rodovias são: passagens de fauna inferiores, passagens de fauna superiores, adaptações de drenagens fluvio-pluviais para a passagem de fauna, cercamento ao longo de passagens inferiores e superiores, sinalização, redutores físicos e eletrônicos de velocidade, assim como sistemas de detecção animal que são implementadas em diversos países e podem reduzir substancialmente o atropelamento de animais.
O uso de cercamento específico para fauna reduz significativamente a passagem de animais por sobre o pavimento da rodovia e, quando utilizado em conjunto com passagens inferiores de fauna, guia os animais até essas estruturas. A combinação destes métodos gera segurança para os motoristas e para o animal. A implementação dessas mitigações, quando realizada de maneira adequada, pode-se reduzir em mais de 80% as colisões.
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo e as espécies da fauna brasileira desempenham papel fundamental para manutenção e equilíbrio dos ecossistemas. Os números demonstram que as rodovias apresentam impactos crônicos à fauna silvestre, além dos danos causados para os seres humanos. O atropelamento da fauna é um impacto visível e mensurável que deve ser mitigado com urgência.
A anta brasileira (Tapirus terrestris) - A anta brasileira é o maior mamífero terrestre da América do Sul, chegando a pesar entre 180 e 300 kg. Essa espécie é vital para a biodiversidade por ser importante dispersora de sementes, recebendo por isso o título de jardineira da floresta. Além disso, por ocupar extensas áreas de uso, é uma espécie guarda-chuva, ou seja, garantir sua conservação também afeta positivamente a existência de outras espécies que compartilham do mesmo habitat.
Apesar de sua importância, a anta brasileira está ameaçada de extinção no Cerrado, de acordo com a Lista Vermelha do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A espécie está listada como vulnerável à extinção na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). As principais ameaças à anta brasileira são: destruição e fragmentação do habitat, colisões veiculares, contaminação por agrotóxicos e caça. A expansão dos centros urbanos também é uma ameaça devido à fragmentação e perda de habitat. Além disso, pode ocorrer a transmissão de agentes infecciosos que acometem animais domésticos.