Por redação
O Netflora é uma metodologia desenvolvida pela Embrapa que utiliza um conjunto de algoritmos treinados com inteligência artificial (IA) para reconhecer espécies florestais com base em características botânicas disponíveis em um banco de dados. Este sistema consegue identificar árvores de interesse comercial e localizar com precisão sua posição na floresta. Espécies como castanheira, cumaru-ferro, açaí e cedro são reconhecidas com índices de acerto de 95%, o que reduz custos de produção e promove um manejo florestal mais sustentável na Amazônia.
De acordo com Evandro Orfanó, pesquisador da Embrapa Acre e um dos coordenadores dos estudos, o Netflora oferece maior automação ao planejamento da atividade florestal e melhora a precisão e eficiência na execução de planos de manejo. "Uma vez treinado, o algoritmo pode fornecer métricas como diâmetro e área da copa, permitindo estimar o volume de madeira de cada árvore por meio de equações alométricas", afirma Orfanó. Essas ferramentas tecnológicas ajudam a aumentar a produção florestal, ao mesmo tempo que conservam o meio ambiente.
Desde 2015, a Embrapa vem desenvolvendo pesquisas para viabilizar o uso de IA no setor florestal, com foco em diversos aspectos da atividade. Atualmente, os estudos ocorrem no âmbito do projeto Geoflora, que abrange os estados do Acre, Rondônia, Roraima, Amapá, Pará e Amazonas, em parceria com o Fundo JBS pela Amazônia.
A implementação dessas tecnologias requer investimentos em computadores, drones, baterias e infraestrutura de escritório. No entanto, segundo Orfanó, esses custos são compensados pela significativa redução nos gastos de produção, especialmente na etapa do inventário florestal. Um hectare de floresta mapeado com a metodologia Netflora custa entre R$ 4 e R$ 6, enquanto o método tradicional custa entre R$ 100 e R$ 140.
A eficiência do Netflora permite mapear até um milhão de hectares de floresta por ano, um salto significativo em relação ao manejo tradicional, que mapeia até 10 mil hectares no mesmo período.
Para construir o banco de dados para o treinamento dos algoritmos, mais de 40 mil hectares de floresta foram mapeados em 37 áreas no Acre, Rondônia e sul do Amazonas, utilizando drones. Em dois anos, cerca de mil planos de voos geraram 300 imagens aéreas cada, que foram processadas em ortofotos para o treinamento de nove algoritmos com diferentes finalidades e níveis de precisão.
"Temos algoritmos que reconhecem uma única espécie florestal ou grupos de espécies madeireiras e não madeireiras nas regiões do Acre e outras partes da Amazônia. O aprendizado será contínuo para alcançar ainda mais alta performance", explica Orfanó, que espera expandir o banco de dados com a meta de mapear 80 mil hectares de floresta e incorporar novas áreas de interesse comercial.
Lançamento de algoritmos treinados
As duas primeiras versões dos algoritmos treinados serão lançadas em 25 de abril de 2024, como parte das comemorações do 51º aniversário da Embrapa. Um dos algoritmos reconhece açaí solteiro (Euterpe precatoria Mart.) nas fases produtiva e não produtiva no Acre, enquanto o outro, além do açaí solteiro, identifica mais nove espécies de palmeiras amazônicas.
Até fevereiro de 2025, outros sete algoritmos estarão disponíveis, capazes de identificar espécies madeireiras e não madeireiras em diferentes localidades amazônicas. A agenda de lançamentos também inclui algoritmos para reconhecimento de espécies em sistemas agroflorestais e para monitoramento ambiental.
Aprendizagem dos algoritmos
As imagens aéreas são processadas no Laboratório de Geotecnologias da Embrapa Acre, convertidas em ortofotos e utilizadas para treinar os algoritmos por meio de redes neurais artificiais. Essas redes extraem informações relevantes das imagens de alta resolução e as apresentam ao algoritmo.
Mauro Alessandro Karasinski, doutorando na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da equipe de criação do Netflora, explica que o algoritmo aprende padrões de copa das árvores, como formato, tamanho, textura e cor das folhas, e organiza essas informações para reconhecer novas áreas mapeadas. Esta prática, conhecida como predição, permite ao algoritmo prever e estimar a localização de um objeto-alvo e seu tipo de classe.
"Como resultado do aprendizado, é gerado um shapefile (arquivo vetorial com identificação e localização de cada espécie e indicação do grau de certeza), que permite elaborar o inventário florestal com o número de árvores existentes, por classe ou gênero, e outras informações sobre as espécies mapeadas", destaca Karasinski.
Uso da metodologia
O Netflora está disponível gratuitamente no repositório do GitHub e pode ser facilmente acessado por meio de um Notebook Colab simplificado, uma plataforma colaborativa aberta e gratuita hospedada na nuvem do Google. A metodologia é dirigida a empresas do setor florestal, profissionais de instituições de ensino superior, associações agroextrativistas e órgãos ambientais interessados em informações sobre inventário florestal e monitoramento ambiental na Amazônia.
O uso da metodologia não exige conhecimentos especializados, e a partir do lançamento, o curso Netflora na Prática: Guia para detecção de espécies florestais a partir de imagens de drones e inteligência artificial estará disponível gratuitamente na plataforma e-Campo da Embrapa para orientar os usuários.
Potencial de uso
Os algoritmos do Netflora podem ser treinados em várias combinações. Além de acelerar o inventário florestal, a metodologia fornece informações para estimar a produção e aprimorar planos de manejo, ajudando a ajustar estratégias de colheita para espécies não madeireiras.
Outra linha de algoritmos pode reconhecer pilhas de toras, madeira serrada e clareiras abertas por eventos naturais ou provocadas pelo homem, entre outras atividades no ambiente florestal. Também estão em desenvolvimento algoritmos para correlacionar aspectos da morfologia da copa das árvores com estoques de carbono na floresta, auxiliando nas avaliações sobre os efeitos das mudanças climáticas na dinâmica de clareiras naturais.
Para Andreia Azevedo, diretora do Fundo JBS pela Amazônia, ainda há pouca orientação sobre a exploração sustentável de produtos florestais, e as tecnologias com IA podem ajudar a melhorar a gestão do manejo florestal e a conservação da Amazônia. "O Netflora vai possibilitar avanços no planejamento e coleta de dados precisos em grandes áreas manejadas, tornando o manejo florestal mais eficiente, reduzindo impactos nos ecossistemas e facilitando a vida dos extrativistas e outros profissionais do setor", conclui.
Algoritmo para castanheira
Entre as espécies não madeireiras com potencial econômico na Amazônia, contempladas pela pesquisa com IA, está a castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa). Parte do banco de dados para o treinamento desse algoritmo foi possibilitada pelo estudo sobre o comportamento fenológico de espécies florestais detectado por drones, realizado entre 2017 e 2019, em parceria com a Universidade Federal do Acre (Ufac). O acervo resultante já permite ao algoritmo um índice de acerto entre 92% e 95% no reconhecimento da espécie.
Erica Mendonça dos Santos, engenheira florestal e mestranda na Ufac, que coordenou o estudo e participa do projeto Geoflora, explica que as imagens feitas com drones capturam de forma eficiente as mudanças nas copas das castanheiras decorrentes das variações nas fases produtiva e vegetativa ao longo do ano. Essas informações, validadas por fotografias das árvores em terra, foram valiosas para o aperfeiçoamento do algoritmo de reconhecimento da espécie. O mapeamento de castanhais com IA permitirá identificar novas árvores para coleta de frutos, melhorando a produtividade extrativista.