Neurociência e som: O dia que a Alcione me fez cantar com o Paulinho da Viola

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04/05/2022 00h00 - Atualizado em 28/05/2022 às 10h21

Se você é nativo deste planeta, certamente já teve um daqueles dias que se desenrola feito bicho sem pé nem cabeça. No núcleo popular da minha família, damos carinhosamente o nome de “dia de cão”. Ele nasce no instante em que se perde a estribeira. E quando isso acontece em uma quarta-feira – aí lascou tudo –, pois ele lhe arremessa na lona do ringue, sem direito à prorrogação de tempo por mais dois dias.

Longe de mim criar argumentos da carochinha para justificar a vida do Jeca Tatu, mas Freud entenderia o desejo de um assalariado, como eu, para fugir desse dia de bastardos inglórios. Afinal, não existe pecado abaixo da linha do Equador que proíba alguém de fazer companhia ao garçom em uma mesa de bar.

Mesmo neste fatídico dia de interjeições, a noite estava boa e seguia seu plano estratégico relativamente simples: a) escolher uma mesa na mira do olhar atento do garçom; b) comer algo; c) filosofar sobre o FlaFlu e d) ir embora na santa paz.

Mas sempre tem algo que nos desvirtua das boas intenções da vida. Em juízo, eu alegaria inocência e depositaria toda desconfiança ao controlador do som. Foi ele quem desligou a sintonia da rádio e interrompeu uma seleção clássica de propagandas com intervalos de músicas que tocavam.

Toc, toc. Escuto alguém fazendo teste em um microfone sem fio, e uma voz que ecoava pelo salão declamando. Era Alcione! No início, até consigo me controlar, mas os conhecedores dessa artista sabem bem que eu estava diante de algo sem escapatória. Algo que agrada gregos e troianos. O fim já era o previsto. Nem poucos minutos se deram e eu ali estava com a multidão do bar cantando – ignorando completamente a falta de afinação existente.

A música ao vivo tem um efeito interessante no corpo humano. Dependendo dos contextos de quem a ouve, ela provoca uma intensa liberação de dopamina. Esse neurotransmissor é responsável por muitas possibilidades de interações químicas, mas principalmente, pela sensação de prazer e motivações.

Além disso, o seu ritmo é capaz de modular as moléculas de água que existem em nosso corpo, e assim gerar comportamentos sincrônicos. Por exemplo, ficamos mais agitados com batidas de melodia fortes – o inverso também é verdade.

Mas voltando à curiosidade da dopamina liberada pelo uso da música, ela limita a percepção de tempo no sujeito. Eis em mim a prova – e cá entre nós, há muitos restaurantes usando esse truque da neurociência em seus clientes. Cheguei na insanidade do meu “dia de cão” às 18 horas no barzinho, mas estava saindo justamente no horário que a carruagem da cinderela viraria uma abóbora.

Minha passagem por aquele nobre estabelecimento não foi em vão. Acontece que os lapsos de memória em vigilância com o tempo, aliado às doses duplas e sem gelo de dopamina que tomei, causaram uma baita ressaca no bolso. Minha estadia gerou pedidos incontroláveis anotados em minha comanda – não há sambinha nas pontas dos pés que resista!

Deixo homologado meu agradecimento ao cartão de crédito, pois suportou bravamente esse golpe de MMA. Mesmo sempre ao meu lado, sei que no próximo mês essa camaradagem vai acabar e ele me cobrará impetuosamente pelo o que aconteceu. Resta agora a remissão dos impulsos. Só por hoje, abandonarei Alcione. Meu dueto agora é com Paulinho da Viola: dinheiro na mão é vendaval.

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