O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ao longo de sua trajetória, consolidou-se como uma das maiores avaliações unificadas do mundo, cujo caráter formador de acesso ao ensino superior no Brasil transcende as fronteiras da mera aplicação de provas. No entanto, a constatação de um aumento exponencial das redações com nota 1000 – de apenas 60 em 2023 para 12 em 2024 – instiga um debate profundo sobre os critérios de avaliação e a qualidade do conteúdo dissertativo. Pergunta-se, de forma perspicaz, se esse fenômeno reflete uma elevação da criticidade das bancas de correção ou, ao contrário, o declínio do nível intelectual das produções dissertativas dos candidatos.
In memorian evoco a célebre máxima de Horácio, "sapere aude" – ouse saber –, a produção de uma redação nota 1000 no ENEM exige mais do que um simples domínio da norma culta ou do uso adequado da argumentação. A avaliação de uma dissertação requer, igualmente, uma percepção refinada da criticidade, da coesão argumentativa e da capacidade de conectar temáticas transversais, como se observa nas provas que medem o nível cognitivo do candidato. No entanto, se considerarmos a drástica diminuição de redações de altíssimo padrão, questiona-se se o processo de correção das bancas realmente reflete um aumento nas exigências ou se, paradoxalmente, os candidatos não estariam produzindo redações cada vez mais empobrecidas, limitadas em sua profundidade.
Outro fator de relevância que não pode ser desconsiderado é a formação e atuação dos corretores. A bagagem cultural e pedagógica de cada docente que integra a banca de correção impacta, de maneira substancial, o processo avaliativo. Embora haja critérios padronizados para a ― correção, como o uso das competências e habilidades previstas pelo INEP, o arbítrio e a subjetividade do corretor não podem ser ignorados. Os profissionais envolvidos, muitos dos quais graduados em Letras, atuam em uma multiplicidade de contextos pedagógicos e nem sempre possuem a experiência de mais de uma década em sala de aula, fator este que poderia contribuir para uma avaliação mais criteriosa e, de certo modo, mais rigorosa.
Contudo, deve-se ponderar que, supostamente, ao selecionar professores com uma trajetória comprovada, por exemplo, – de no mínimo – 10 anos de experiência, o processo de correção se tornaria, inevitavelmente, mais restrito, dado que a maioria dos docentes graduados em Letras não se candidataria para atuar como corretores, seja pelo baixo valor financeiro pago, seja pela sobrecarga de trabalho que isso implica. Muitos dos que aceitam essa função o fazem por necessidade econômica, mais do que por um compromisso com a qualidade acadêmica.
Assim, cabe refletir: est omnis res sine causa, ou seja, tudo tem uma causa. Se a escassez de redações presumidas como “perfeitas” e a formação heterogênea das bancas são fatores determinantes, o que isso revela sobre a qualidade da educação formativa no Brasil?