Termo cada vez mais consolidado no vocabulário empresarial brasileiro e, agora, também embrionário na gestão pública nacional, compliance consiste em um daqueles estrangeirismos que certamente dependem de contextualização para uma compreensão precisa.
Aliás, talvez por sua repetição sistemática na busca pelo profissionalismo e pelo controle de processos internos, muitos dos que reivindicam essa terminologia para seus projetos o façam mais por marketing ou na tentativa de construir um branding do que efetivamente por acreditar na ferramenta e conhecer sua amplitude para a gestão em qualquer âmbito.
Tenho certeza de que você, leitor deste renomado canal de comunicação, provavelmente traduz de forma quase inconsciente a palavra compliance como “segurança jurídica” ou, se for daqueles menos diplomáticos – talvez crítico contumaz dos conceitos contemporâneos de gestão –, associe a tradução de forma instantânea e convicta à ideia de burocracia do politicamente correto.
Calma, não precisa se sentir culpado pelas dificuldades na compreensão do tema.
A verdade é que existe um grave problema de comunicação sobre a profundidade do compliance e todas as suas benesses práticas. Talvez pelo fato de que, contrariamente ao senso comum, essa metodologia de gestão tenha origem no setor público. A doutrina aponta o governo dos Estados Unidos da América como o primeiro adepto à ideia e, no Brasil, qualquer tema associado à gestão pública acaba, por preconceito (às vezes justificável), sendo automaticamente vinculado à burocracia.
Ora, mas estamos falando da máquina pública certamente mais profissionalizada e estruturada do planeta e, consequentemente, das empresas que, contratadas como parceiras dessa grande estrutura governamental, não apenas aceitaram se submeter à metodologia do compliance, como deliberadamente passaram a impor essas mesmas sistemáticas procedimentais aos seus parceiros comerciais privados. Assim, criou-se um fenômeno ainda perpetuado, de imposição de uma cultura de gestão em cadeia, que hoje foi aderida por todo o comércio mundial.
Esse breve relato nos serve para um importante choque de paradigma. Afinal, se as maiores empresas do mundo resolveram investir milhões de dólares na estruturação de sistemas de compliance, será que se trata de um mero sistema de segurança jurídica?
A resposta é não. Implementar o compliance não se limita à contratação de serviços jurídicos ordinários de consultoria nem a ter uma equipe de advogados para dizer “sim” ou “não” em respostas de e-mail.
A ideia é mais sofisticada. Isso porque, sob a perspectiva jurídica, o trabalho do assessor de compliance consiste, inicialmente, na realização de um diagnóstico profundo e completo sobre a realidade e as particularidades de cada empresa, seja sob a ótica do perfil de gestão interna e dos processos de produção, seja sob a ótica do formato do produto ou dos serviços desenvolvidos. A partir desse relatório preliminar, iniciam-se os trabalhos para a análise de conformidades ou não conformidades, a fim de apurar os riscos não apenas consolidados, mas também potenciais de cada operação da empresa, ou seja, observando passivos financeiros já constituídos ou com potencial de constituição.
Eu sei, parece, mas não se trata de mera análise de prevenção jurídica.
Isso porque, a partir dos trabalhos preliminares resumidos acima, inicia-se, de fato, o plano de implementação do que poderemos chamar de compliance. Nesse plano, deverão ser normatizados (e não meramente verbalizados) os detalhes de todos os processos operacionais da empresa, como: distribuição de competências, fixação de prazos para cada subprocesso de produção, regras para comunicações e solicitações entre os setores internos, adequações e limitações dos poderes individuais dos sócios (que também são submissos às regras da empresa), planejamento patrimonial e tributário, e readequação, quando necessário, dos procedimentos de prevenção trabalhista, entre muitos outros atos de natureza jurídica que podem se mostrar necessários.
A questão é que, através de toda a vastidão de pareceres, análises, normas implementadas e procedimentos criados, a missão do compliance será alcançar a eficiência e a implementação de uma cultura empresarial.
Sim, segurança jurídica, sob esse contexto, afigura-se apenas como um meio para o objetivo real de qualquer empresa ou máquina pública: a eficiência!
Essa premissa, que admito surpreender por tratar-se de um método jurídico, resulta do trabalho mais significativo do compliance: a análise adequada dos riscos da atividade e a decisão complexa de assunção da responsabilidade sobre os riscos necessários para o desenvolvimento de qualquer atividade.
Não há empresário que sobreviva no mercado ou político que permaneça no cargo sem a certeza de que viver com riscos é inevitável – ainda mais no Brasil. Aliás, a própria Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor ratificam essa ideia ao implementarem o princípio do risco-proveito, segundo o qual qualquer empresário deve responder objetivamente (mesmo sem culpa) pelos riscos de sua atividade.
A grande questão aqui consiste na compreensão de que os riscos são, de fato, inevitáveis. Entretanto, são passíveis de antecipação e certamente mitigáveis.
Esse é o ponto central para a compreensão da eficiência conquistada por esse método jurídico. É aqui que o compliance entrega seu fruto maduro para a sociedade. Isso porque, ao antecipar os riscos, o compliance permite o desenvolvimento pleno da arte mestra do empresariado e do bom político, sintetizada na palavra “planejar”. Afinal, a ideia de planejar, quando dissociada da possibilidade de prever, não passa de sonhar.
Além disso, outra vantagem da compreensão dos riscos e suas consequências está na avaliação sobre a compensação financeira ou operacional dos próprios riscos – exemplo que recorrentemente observamos nas práticas ousadas dos bancos, que fixam juros abusivos de forma consciente, ou das companhias aéreas, que realizam práticas abusivas de forma deliberada. Tudo faz parte de um cálculo de compensação jurídica e econômica – uma matemática que somente poderá ser avalizada pelo compliance.
Não menos importantes para a eficiência são as regulamentações já mencionadas das competências de funções e setores, bem como os demais procedimentos internos. Essas regras jurídicas, na prática, tornam tangíveis as qualidades de um bom sistema de governança e resultam em maior produtividade da empresa e em maior capacidade de controle interno.
Uma palavra, muito trabalho, resultados financeiros e para a governança. O compliance definitivamente não consiste em um mero estrangeirismo genérico.