Desde os primeiros passos na escola até a carreira profissional, somos submetidos a um constante processo de avaliação. No entanto, é inegável que cada um desses processos carrega suas próprias falhas e limitações. Com a ascensão das plataformas digitais, um novo sistema de avaliação ganhou corpo, fundamentado na ideia da "sabedoria das multidões", considerando que um grande número de opiniões tende a produzir resultados mais confiáveis do que a opinião isolada de um indivíduo, por mais especializado que este seja.
Essa lógica de autorregulação da comunidade se expandiu e tornou-se o pilar central das estratégias de diversas big techs, que passaram a utilizar sistemas de avaliação baseados em estrelas para praticamente tudo o que é oferecido em suas plataformas. Transferindo o ônus de garantir a excelência do serviço aos próprios consumidores.
Entre os exemplos mais críticos dessa prática estão os sistemas de avaliação dos entregadores de apps. Sob a capa de inovação, esconde-se uma realidade à qual os trabalhadores enfrentam sob uma pressão constante por boas avaliações, o que afeta diretamente a remuneração e jornada de trabalho.
No coração do debate, encontra-se o modelo adotado pelo iFood, que classifica semanalmente os entregadores com notas de 1 a 3. Ocorre que uma nota baixa acarreta uma redução drástica na quantidade de entregas disponíveis na semana seguinte, sem levar em consideração fatores externos que podem estar afetando negativamente as avaliações, como oscilações na plataforma, atrasos no trânsito ou expectativas desproporcionais dos usuários.
Embora a tarefa principal de um entregador seja transportar pedidos de um ponto a outro, a realidade é que a avaliação de seu desempenho transcende essa função, adentrando o território da experiência subjetiva, que pode ser influenciada por uma série de fatores que não têm relação direta com o serviço prestado, como a simpatia percebida do entregador, a apresentação pessoal, ou até mesmo aspectos completamente alheios ao controle do entregador, como a qualidade da comida ou o tempo de preparo no restaurante. Além dos vieses inconscientes, como preconceitos raciais, de gênero ou outros tipos de discriminação.
A questão da justiça dessas avaliações é crítica, pois o sistema falha em fornecer meios para que os entregadores contestem avaliações injustas, colocando os trabalhadores em uma posição vulnerável, forçando os mesmos a aceitarem condições de trabalho precárias ou a realizar esforços adicionais, muitas vezes sem remuneração, para manter suas pontuações altas.
Embora este texto, por si só, não possua força suficiente para impelir plataformas como o iFood a reavaliarem seus sistemas de classificação, ele serve como um convite à reflexão sobre nossas próprias práticas de avaliação e a importância da solidariedade para com as demandas dos entregadores. A maneira como escolhemos avaliar o serviço de entrega não é apenas um reflexo de nossas expectativas, mas também de nossos valores e do tipo de comunidade que desejamos construir.