No Brasil e restante da América Latina a busca pela profissão de docente tem sido cada vez mais tímida e essa defasagem preocupa o setor educacional nos próximos 15 anos. A recente pesquisa divulgada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (SEMESP) propõe uma reflexão alarmante sobre a iminente carência de profissionais da educação no Brasil. Até 2040, as projeções indicam que o país poderá enfrentar um déficit aproximado de 235 mil docentes na educação básica, o que endossa a gravidade da questão. A pesquisa elucida, ainda, uma abrupta queda no ingresso de novos alunos em cursos de Licenciatura, especificamente entre os jovens de até 29 anos, cujo percentual diminuiu de 62,8% em 2010 para 53% em 2020. Esses números passam a aclarar uma tendência preocupante de desinteresse pela profissão docente, exacerbada pela conjuntura socioeconômica que, ao longo das últimas décadas, não tem conseguido atrair jovens para a educação, área fundamental para o desenvolvimento de qualquer sociedade nos quatro cantos do mundo.
Como coordenador de pesquisa e iniciação científica da Faculdade Insted, bem como coordenador da Graduação de Pedagogia e docente pesquisador-visitante da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/ FUNDECT) e dos colégios Classe A e Colégio Bionatus, percebo que esta problemática repousa sobre dois eixos centrais que atravessam a experiência educacional contemporânea. O primeiro diz respeito à banalização da profissão docente em uma sociedade onde o progresso tecnológico e a inteligência artificial permeiam quase todas as esferas da vida cotidiana. O segundo eixo envolve a preteridade salarial que caracteriza a carreira, fator crucial para a desmotivação dos jovens em buscar a graduação em Licenciatura e ingressar na área da educação. Ao longo dos anos, muitos educadores têm visto a profissão como desprovida de prestígio, o que, inevitavelmente, reflete-se na diminuição do número de vocações docentes, assim como na consequente obsolescência da educação básica.
No contexto de Mato Grosso do Sul, contudo, há um contraste significativo. O Estado postula e ostenta a mais alta remuneração salarial para os docentes da rede estadual de ensino do Brasil (Fonte: G1). Esta particularidade pode ser vista como um fator de incentivo, capaz de estimular a busca por graduações na área da Licenciatura. A maior remuneração salarial, somada a um plano de valorização do professorado, pode proporcionar uma situação mais propícia ao surgimento de uma nova geração de educadores altamente qualificados, em consonância com o que as diretrizes educacionais exigem para a formação de uma sociedade mais justa e desenvolvida. Em um cenário onde a escassez de professores é uma realidade iminente, a política salarial de Mato Grosso do Sul pode, então, tornar-se um modelo a ser seguido por outras unidades federativas, rompendo o ciclo vicioso da desvalorização da profissão de docente que, para poucos, têm sido uma proposta de vida-laboral.
No entanto, é imperativo que se considere, além da remuneração, as condições gerais de trabalho do docente. Como salientado por Sílvia Colello, professora da Faculdade de Educação da USP, a profissão docente no Brasil sofre com a desvalorização, que se reflete não apenas no salário, mas também nas condições de trabalho, tanto materiais quanto humanas. A sobrecarga de atividades, aliada à falta de apoio da gestão escolar, contribui para a exaustão e, em muitos casos, para a desistência de jovens que entram na carreira com grandes expectativas, mas rapidamente se deparam com uma realidade adversa. Essa situação reforça a necessidade urgente de reformas estruturais que garantam condições de trabalho mais adequadas e, consequentemente, a atração de mais profissionais para o campo educacional.
Ademais, a análise dos dados de envelhecimento da profissão, como exposto na pesquisa, revela um quadro ainda mais preocupante. A diminuição no número de professores em início de carreira, entre 2009 e 2021, indica que a profissão docente está envelhecendo rapidamente. Este fenômeno, aliado à escassez de novas gerações de professores, sinaliza uma possível crise de renovação na educação, que se traduz em uma oferta cada vez mais limitada de profissionais capacitados para o ensino. Essa realidade é particularmente grave para áreas como as Ciências Exatas e Biológicas, em que os professores tendem a migrar para setores com melhores perspectivas salariais, como a economia e a farmacologia. A evasão de profissionais dessas áreas comprometerá, sem dúvida, a qualidade da educação, deixando de lado uma série de disciplinas fundamentais para o desenvolvimento de um pensamento crítico e científico.
A conjuntura descrita neste debate reflete um dilema central na educação latino-americana, onde a desigualdade social e a desvalorização das profissões essenciais são características comuns em vários países da região. Nesse invólucro debatido, a perspectiva da desobediência epistêmica, como propõe o professor argentino Walter Mignolo, tem se materializado como uma forma de resistência silenciosa das instituições educacionais e dos próprios educadores, que, sem os devidos incentivos, acabam por se afastar de suas funções, contribuindo para a estagnação do sistema educacional. Mignolo defende que a epistemologia colonial impõe aos países da América Latina uma visão restrita sobre o saber e o conhecimento, dificultando o reconhecimento e a valorização das profissões acadêmicas, como a docência.
Em consonância com Mignolo, o sociólogo peruano Aníbal Quijano alerta para o que conceitua de "colonialidade do poder", que opera não apenas na política, mas também nas esferas do conhecimento e da educação. Quijano sugere que a estrutura colonialista, ainda presente nas sociedades latino-americanas, condiciona a forma como a educação é percebida e valorizada, limitando as perspectivas dos educadores e, consequentemente, o desenvolvimento das futuras gerações. Este modelo de dominação cultural subverte os próprios fundamentos da educação, reduzindo a docência a uma profissão desprovida de autonomia e prestígio, e, por conseguinte, afastando a juventude das graduações em Licenciatura.
Nesse ínterim crítico-cultural, recordo a proposição conceitual da transmodernidade, conforme discutido por Enrique Dussel, traz à tona uma possibilidade de ruptura com essa estrutura de dominação, propondo um horizonte de interculturalidade e reconhecimento da pluralidade de saberes e práticas. Para Dussel, é urgente que a educação contemporânea, enquanto prática transformadora, ultrapasse as fronteiras do saber ocidental eurocêntrico, adotando uma perspectiva mais inclusiva e aberta à diversidade cultural. Nesse contexto, a valorização do educador e do ensino torna-se um elemento-chave para a construção de uma sociedade que desvenda enquadramentos, onde a educação não seja vista como um instrumento de subordinação, mas como um meio de emancipação e libertação, logo, um canal educacional disruptivo para novos horizontes.
Ao considerarmos as políticas de valorização do docente, que incluem a melhoria das condições de trabalho e a implementação de planos de carreira, é possível vislumbrar um futuro em que a educação possa, de fato, cumprir seu papel fundamental de transformação social. A mudança inteligente visando o estabelecimento efetivo acerca da profissão docente, com ênfase na autonomia e no protagonismo do educador, permitirá uma construção mais sólida de uma educação de qualidade. Ao adotar medidas como essas, é possível não apenas mitigar a crise de professores no Brasil e no restante da América Latina, mas também engendrar um movimento de renovação que reflita os anseios de uma sociedade mais consciente do futuro promissor com e pela educação.
Neste debate, portanto, diante dos desafios e da necessidade urgente de reformulação da educação no Brasil e na América Latina, a adoção de políticas públicas que priorizem a valorização da profissão docente surge como fator emancipatório. Em Mato Grosso do Sul, a ampliação da remuneração salarial dos professores é um passo positivo nesse sentido, tornando-se referência nacional no bojo do diálogo crítico educacional contemporâneo. De acordo com o princípio árcade oriundo do latim, carpe diem, aproveitemos o momento para (re)construir as bases de uma educação que, longe de ser uma mera atividade utilitária, torne-se uma verdadeira ferramenta de transformação social atingindo seus agentes, logo, os docentes e seus subagentes e, por assim dizer, de todos os educandos que tanto carecem de uma educação de qualidade.